Esperança em tempos de desespero

Ana Bezerra Felicio
6 min readJun 27, 2022

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Photo by Marcel Strauß on Unsplash

Na pandemia do COVID-19 não foi fácil manter a esperança de pé. Muitos esbarraram com a realidade da total incerteza da vida, muitos olharam para a morte nos olhos. Muitos cristãos descobriram que não conheciam a esperança verdadeira, a esperança cristã, porque em tempos de desespero, viram suas certezas desmoronarem como um castelo de areia.

Cristãos e não-cristãos se apegaram a falsas narrativas, a teorias conspiratórias em que ancoraram sua esperança, tudo isso para não cair em paranoias que um vírus invisível e funesto pode trazer, e de fato trouxe, à vida de todos. Alguns disseram que a vida precisava continuar, ou que não precisaríamos parar devido a um vírus, alguns ousaram chamar isso enganosamente de fé. Não faltaram orações para que o mal do vírus passasse logo, para que pessoas saíssem da UTI ou para que Deus nos protegesse. Depois de mais de dois anos de pandemia, alguns finalmente perceberam que tinham colocado suas esperanças nos lugares errados, outros ainda não. Parece mais fácil viver no negacionismo.

Em momentos difíceis, é comum que busquemos por culpados, por soluções rápidas e por explicações mirabolantes. Mas se quisermos encontrar a verdade de fato, a maioria das respostas a essas perguntas não são simples e descomplicadas, afinal estamos no meio da crise e não conseguimos enxergar claramente. Mas diante de toda essa situação, em que depositamos a nossa esperança? Em quem? Numa cura? Na reabertura de comércios?

Qual é a obra do Espírito em meio a todo esse caos? O Espírito está se movendo? Deus nos abandonou? No desespero, entendemos que somos mortais; nossa vida realmente não está em nossas mãos. De repente, um inimigo invisível sopra seus ventos de terror pelo mundo, e o mundo para. Somos mortais. E nós cristãos temos consciência disso, ou pelo menos deveríamos ter. De acordo com o apóstolo Paulo, não devemos negar as dores da vida, ou as dores da pandemia “porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós,” (Rom. 8:22–23); segundo o apóstolo dos gentios, nós participamos na dor da criação, e a criação tem sofrido. Não precisamos viver em negação. J. Todd Billings argumenta em seu livro The End of Christian Life que é na nossa mortalidade que encontramos a esperança verdadeira. O autor nos ensina, a partir de Romanos 8, que nós que estamos em Cristo gememos com a criação como filhos adotados que esperam a redenção final; e a obra do Espírito em meio a esse caos é essa: a redenção final. Quando falamos desse tema, pode soar abstrato para muitos que podem pensar “sim o fim dos tempos, a volta de Cristo tá, mas e agora?”. Agora essa é a esperança da nossa fé, e “uma fé que não ofereça nenhuma esperança ao mundo não serve para nada; uma fé que ofereça ao mundo uma falsa esperança é uma fraude.” (Alister McGrath).

Estamos acostumados a pensar que ter esperança é o mesmo que ter uma sensação boa, um pensamento positivo de que em algum momento, de alguma forma as coisas vão melhorar. E, sim, as coisas vão melhorar e quando melhorarem, outras coisas vão piorar; depois vão melhorar mais um pouco; e depois piorar… Algumas coisas, na verdade, vão só piorar. E… você percebe que isso não é esperança verdadeira? Porque, Paulo diria que se você espera em algo que você vê, isso não é esperança; mas a verdadeira esperança é aguardar a Cristo com paciência; durante nossa espera; o Espírito nos ajuda nas nossas fraquezas e intercede e geme por nós junto com a criação (Rom 8:25–26).

Temos o costume de fugir do dia mal, de fugir da morte e das desgraças. A via do negacionismo e da negação da realidade nunca foi a via cristã; somos criaturas de pó que “suportam a angústia” (Rom. 8:22). Billings afirma que o caminho para o discipulado cristão envolve nos movermos em direção à ferida da mortalidade e não para longe dela. Antes de nos movermos para fora dessa crise mundial (que desencadeou e acelerou outras crises), precisamos olhar para ela nos olhos. Parece que na nossa cultura não há lugar para aquilo que deu errado… E na pandemia, muitas coisas deram errado. Muitas mortes, muito desgaste emocional, muito desemprego, a fome aumentou, a polarização aumentou.

Dr. Soong-Chan Rah no seu livro sobre Lamentações evidencia o fato de que a poesia bíblica está dividida em duas grandes categorias: louvor e lamento. “Enquanto poemas de louvor expressam adoração pelas coisas boas que Deus fez, lamentos são oração de petição que nascem da necessidade. Lamento é uma resposta litúrgica na Bíblia diante da realidade do sofrimento e envolve Deus no contexto da dor e do sofrimento”. Com isso, não precisamos criar falsas esperanças para nos apegar, pois a Palavra de Deus nos ensina o caminho para trilhar nos vales da sombra da morte. O vale que chegou para o mundo inteiro, chegou para mim também; sábado de manhã recebi uma ligação do meu tio que me disse com breves palavras: “Ana, seu pai foi estar com o Senhor”.

Quando você se permite chorar pelas dores da vida e do mundo; por fim, você consegue enxergar melhor a dor do seu irmão e a realidade como ela é sem perder a esperança verdadeira. É tempo de chorar. Talvez seja por isso que certa vez Nicholas Wolterstorff afirmou “Olharei o mundo através das lágrimas. Talvez eu veja coisas que eu não veria com os olhos secos.” Nesse vale, estou aprendendo sobre a verdadeira esperança; mas se me fosse dada a oportunidade de ter meu pai de volta, eu não hesitaria em aceitar.

A última palavra: quem tem a última palavra? A morte? O COVID-19? A fome e o desemprego? O ódio político? A apatia em relação ao sofrimento dos outros (ou mesmo do nosso como uma espécie de alienação) não é uma atitude cristã. Na segunda vinda de Cristo, seu Reino será estabelecido e então não haverá mais choro nem dor; por enquanto há, portanto choremos. Na verdadeira esperança cristã, aquela que não é uma fraude, percebemos que as coisas pelas quais lamentamos não terão a última palavra, e enquanto esperamos, lamentamos. Você consegue ver além dessas tragédias atuais? Se sua resposta foi “não”, talvez seja porque você está começando a exercitar a verdadeira esperança.

A esperança nos permite abordar as diferentes dificuldades da vida de diferentes formas: quanto ao luto, não podemos trazer de volta os que se foram, essa ferida da mortalidade permanecerá até o dia de Cristo; quanto à polarização e ao ódio político; ainda estamos em tempo para construir pontes e como esperamos um Reino diria Esau McCaulley, podemos olhar para essa sociedade e dizer que ela é: menos que um reino. Quando vemos que as coisas podem ser melhores do que são, não estamos falando de ingratidão, estamos diante da esperança bíblica que tem o poder de reconfigurar nossa imaginação. Jesus, no Sermão do Monte “quer que percebamos que o Seu reino é algo possível, ao menos um antepasto enquanto esperamos pela sua plena consumação.” (Esau McCaulley). A realidade que vemos hoje é ruim em muitos aspectos, mas não será assim para sempre, é isso que o Evangelho nos ensina. Mesmo que muitos se recusem a ver os problemas e lamentar por eles, nós cristãos podemos e devemos.

“Somos chamados à longanimidade em meio às provações que enfrentamos, porque sabemos — na esperança — que não somos a solução definitiva para os males do mundo” — J. Todd Billings

Ninguém gostaria que o vírus tivesse chegado, ninguém gostaria de viver em meio a uma pandemia, não regozijamos na desgraça e na morte de milhões de pessoas ao redor do mundo; é tempo de chorar, lamentar e pregar e viver a verdadeira esperança cristã.

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Ana Bezerra Felicio

PhD candidate in linguistics and classical studies at the State University of Campinas in Brazil. My research is on the emotions in Senecan philosophy and drama