Por que as emoções são tão complicadas para o crente?
“Você não é o que você sente”, muitos dizem. Não devemos sentir? Sentir é pecado?
A palavra de Deus é repleta de momentos extremamente emotivos e nem sempre essas reações emotivas são condenadas. Existe o ensinamento comum em muitas igrejas de que somos um espírito que habita num corpo e que tem uma alma. Nada poderia ser tão distante da compreensão bíblica do que é o ser humano. Essa compartimentação do nosso ser pode servir para fins didáticos (embora eu tenha sérias dúvidas disso), mas não nos ajuda a viver a nossa vida cristã no nosso dia a dia. Se nós devemos ser APENAS espirituais, como iremos ler a Bíblia se para lê-la precisamos de nosso intelecto, de tudo o que aprendemos ao longo da vida (ler, intepretar, associar ideias) até mesmo fora da igreja? É muito mais correto pensar no nosso corpo como uma unidade, não oramos a Deus sem nosso intelecto, não adoramos sem nossas emoções.
Deus se importa com suas emoções. O que você sente importa.
A oração é uma disciplina espiritual que nos mostra a importância das nossas emoções. O lugar/momento de oração é esse lugar especial em que nossas emoções têm lugar, e o livro da Bíblia que mais nos exemplifica isso é o livro dos Salmos [1]. O Salmos são um protótipo do que a palavra de Deus nos ensina sobre emoções, e certamente a lição que sai deles não é: “Você não é o que você sente”. Talvez seja mais correto falar: “Você não é só o que você sente.”
Emoção vs. Razão
As emoções são indispensáveis nos processos cognitivos:
“Tem havido uma explosão de pesquisas sobre emoções em que as emoções não são mais vistas em oposição à razão. Em vez disso, as emoções são cada vez mais apreciadas como indispensáveis nos processos cognitivos porque compreendem conjuntos de percepções e avaliações que permitem o julgamento. As emoções não são mais postas de lado como meros obstáculos para bons julgamentos. No entanto, é um fato bem conhecido que as emoções também muitas vezes impedem as pessoas fazer juízos corretos. ” — Liesbeth Huppes-Cluysenaer [2]
As emoções podem ser prejudiciais, mas não são NECESSARIAMENTE prejudiciais. Por isso não há a possiblidade de nos desfazermos de nossa emoção, não há como ser humano e não sentir. Se você não é o que você sente, o que sobra de você? Nossas emoções podem ser restauradas e moldadas pela vida na igreja e pela palavra de Deus. O afeto faz parte da vida humana, nossa maneira de sentir muitas vezes é desordenada e nesse ponto entra uma possível terapia, a palavra de Deus, o discipulado cristão. Então não é possível deixar de sentir, a pergunta verdadeira será: como sentir? Falo um pouco disso nesse texto sobre discipulado [3].
Leia esse artigo meu para entender como a ideia moderna de emoção se relaciona à filosofia e aos antigos pensadores [4]:
DivertidaMente acertou?
Apesar de eu amar o filme Divertidamente, e a mensagem que ele quer passar: que todas as emoções importam; não é exatamente a essa teoria psicológica que eu me filio para definir emoções, no artigo “A filosofia estoica e a mente” eu falo um pouco mais do que penso e de como é a linha que mais me interessa: a da psicóloga Lisa Feldman Barret, que é uma linha construtivista. Enfim, a Tristeza é fundamental para a nossa vida, e nisso o filme acerta totalmente, só que hoje existem duas grandes teorias concorrentes sobre como as emoções estariam organizadas no nosso interior, e a construtivista é a que mais me fascina e me parece plausível.
[1] C.S. Lewis. Reflexões sobre Salmos. Thomas Nelson Brasil; 1ª edição (15 fevereiro 2023).
[2]HUPPES-CLUYSENAER, L.; COELHO, N. M. M. S. (EDS.). Aristotle on Emotions in Law and Politics. Cham: Springer International Publishing, 2018. v. 121.
[3]
Outra recomendação de leitura sobre o tema, texto da Bruna Santini: